Por Gabriel Pierin
Ela nasceu no Rio de Janeiro, em pleno verão, no primeiro dia do ano de 1937. Filha de alemães, recebeu um nome bem brasileiro, Iracema. Mas foi com o apelido Ira que se tornou conhecida e admirada.
Quando Ira conheceu o Arpoador, a praia ainda era deserta e o mar bravo, com ondas grandes e ressacas que subiam pelas pedras. Ela frequentava a praia pela manhã bem cedo. A rotina começava antes do café da manhã. Um mergulho na praia era o despertar para a escola de Ira e para o trabalho do pai, Hans.
A mãe de Ira, Miriam Etz, uma mulher bonita e interessante, causou frisson ao vestir um maiô de duas peças, que ela mesmo fez, diferente de outras mulheres na época que usavam maiô inteiriço.
Essa diferença nos padrões também se refletia na impressão que Ira tinha de si mesma. Ela se achava feia, magra, sardenta. Porém na adolescência, a menina Iracema se transformou junto com o Arpoador.
O pico começou a ficar mais conhecido e o canto de praia encostado nas pedras passou a ser considerado um lugar de vanguarda. Foi quando ela repetiu o ato pioneiro da mãe, e ao lado da amiga Tarucha, passou a usar biquíni. Os biquínis das duas amigas eram iguais: azuis com listras pretas e feitos pela mãe de Ira. Juntas desfilavam a ousadia pela praia enquanto a emblemática Turma do Arpoador era criada no espírito livre e em comunhão com a natureza.
O pioneirismo não ficava apenas na areia. Os meninos se lançavam na pesca submarina e usavam vara de caniço ou bicheiro, uma espécie de anzol para fisgar polvo. Eles também catavam mariscos e usavam uma lata para cozinhar ali mesmo nas pedras, e assim ficar até o sol se pôr na praia.
Nessa época o surfe dava seus primeiros passos. Ira se juntava aos rapazes e pegava jacaré sobre pequenas tábuas de madeira. Foi no Arpoador que Ira conheceu seu primeiro namorado, o lendário Arduíno Colassanti, ator e um dos precursores do surfe carioca. Foi lá também que ela conheceu o marido, Pedro Paulo. Ele era de Copacabana e apareceu numa potente motocicleta para acelerar e conquistar o coração de Ira.
A turma fazia sua própria indumentária. Era numa loja próxima do Ministério da Marinha que as meninas compravam suas camisetas brancas de marinheiros. Elas usavam essas camisetas junto com pareôs floridos e creme para proteger o rosto.
Os programas iam além da praia. O contato com artistas fazia parte da sua intimidade. Ira marcou presença nas peças da atriz e amiga da família, Tônia Carrero. A musa também fez amizade com os músicos João Gilberto e Tom Jobim, jogava frescobol com Millôr Fernandes e deu aulas de inglês para Rubem Braga.
O Arpoador é o lugar de Ira. Ela continua caminhando na praia e agradecendo a benção de respirar a maresia e contemplar o horizonte. As sensações de Ira foram eternizadas em versos de sua autoria:
MEMÓRIAS PLANTARES
Bem cedo caminho para a praia
Com meu pai
Frio na sola dos pés.
Calçada molhada, maresia.
Andando descalça
Parece moleque de rua
Cultivo um cascão
Assim protejo meus pés
Posso pisar na areia quente
Subir nas pedras
Enfrentar os mariscos cortantes
Tenho os pés no chão
A planta do pé
Um pé de planta
Nada de meter os pés pelas mãos
No mar atenção
Se não souber nadar
Procure saber se dá pé
A vida é assim
Pé ante pé
IRA ETZ
A história de Iracema Etz está escrita no livro Ira do Arpoador, da ID Cultural