Gabriel Pierin
As guerras afastam e, eventualmente, aproximam as pessoas. Essa situação rara uniu os ingleses Dudley James Sealy e Grace Hatfields Phelps. Com o término da Segunda Guerra Mundial, seguindo o destino de muitos britânicos, o casal de Liverpool emigrou para a América do Sul. Na Argentina, estabeleceram-se em San Pedro, uma província de Buenos Aires. Na fazenda do casal, nasceu Miguel Jaime Sealy.
Em 1953, a família mudou-se para a cidade do Guarujá, no Brasil. Um paraíso para o garoto argentino de apenas cinco anos. Miguel frequentava a praia e compartilhou da cultura caiçara. Com os pescadores, aprendeu a fabricar e correr as ondas com canoas feitas de tronco de árvore.
Essa alegria e liberdade da praia duraram até os 12 anos. Preocupado com o futuro do filho, Dudley mandou o menino para um colégio interno, em Campinas. Nessa ocasião, a família já morava em Santos. De segunda a sexta, Miguel estudava e orava. Aos finais de semana, recebia a benção e a redenção. Miguel curtia a praia do canal 6 ao lado do amigo de toda vida, Bruce Abrantes. Juntos fizeram um sonrisal, uma tábua circular que deslizava sobre a rasa lâmina d’água.
Naquela época, as lojas já comercializavam um tipo de prancha para pegar onda de peito. O bazar do “Turco” no Boqueirão era um desses lugares. As pranchas variavam de 1 a 1,20 metro, eram feitas de madeira e tinham envergadura. O desejo de deslizar de pé esbarrava nas dimensões da pranchinha.
Sempre inventivos, Miguel e Bruce resolveram recorrer à tábuas maiores. Naquele tempo, a sede do Clube XV estava em construção. Os jovens invadiram o canteiro de obra e subtraíram um madeirite. Ele cortou a prancha em casa e fez a envergadura queimando o bico. Para decorar, desenhou e pintou o personagem Big Kahuna da série Little Annie Fanny. Seu pai era professor de inglês e Miguel tinha contato com as publicações importadas, entre elas a Playboy Magazine. A revista proibida exibia os cartoons do irreverente herói.
A diversão tomou conta do canal 3. O jovem Luiz Carlos Frigério já havia experimentado o surfe no Itararé. Ele descobriu a casa onde José Paioli escondia a enorme prancha de madeirite e junto com o amigo Tutuca sequestravam a bendita. Foram descobertos quando Frigério quebrou, sem querer, a prancha cativa.
A notícia do celeiro de madeirites se espalhou pelo reduto do canal 3 e os gatunos começaram a agir. Entre eles estavam Frigério e Marcelo Pardal. A onda crescia pelas praias santistas.