Gabriel Pierin
Fazia tempo que o Cine Marapé na avenida Pinheiro Machado exibia o cartaz do filme “Mar Raivoso”. Álvaro de Souza, a namorada e o irmão José Manoel combinaram e foram juntos ao cinema. O enredo não poderia ser melhor. Três jovens chegam ao Havaí e encontram aventura e romance, nas praias e ondas da baía de Waimea.
Álvaro cresceu no canal 1 e a praia era o quintal de casa. Vivia descendo as ondas de jacaré ou se arriscando nos saltos de jaú. A audaciosa brincadeira consistia em correr pela beira e pular de peito no mar raso, deslizando sobre a fina película d’água.
O ápice da radicalidade daqueles tempos ocorreu quando um rapaz foi visto pegando onda de jacaré no fundo, cortando a parede e atravessando um tubo. Ele estava de pé de pato. Foi a evolução da brincadeira e todos aderiram ao novo equipamento.
O filme acabou sendo um divisor de águas. Eles saíram do cinema com um só desejo: deslizar de pé sobre as ondas. A ideia do madeirite era a mais viável. A construção de um prédio na rua Maranhão estava terminando. O chefe de obras foi solidário e cedeu duas placas do compensado.
O corte no formato de uma prancha foi feito e a quilha moldada e aparafusada próxima da rabeta. O maior desafio estaria por vir. A tábua maciça e plana tinha pouca flutuação e embicava. A solução foi esquentar e forçar a curvatura do bico.
Álvaro, José Manoel, Jorge Sá e Armandinho Mazanza puxavam a prancha submersa até o final da arrebentação. Os jovens boiavam nas águas fundas esperando as ondas da série. Longe da areia, a referência visual era o enorme edifício Rio Negro que despontava na orla marítima.
O ritual perseguiu a garotada por longos seis meses. As coisas começaram a apontar um caminho diferente quando viram o nadador Jô Hirano descendo as ondas no Itararé sobre uma prancha de fibra de vidro. Ela flutuava como mágica.
Jô começaria a produzir essas pranchas na pequena fábrica que mantinha junto com a academia de judô da família. A novidade industrial também apareceu na Grande São Paulo. Os jovens desbravadores começavam uma nova fase de desenvolvimento e competição.
Em 1986, Álvaro voltava de uma viagem de negócios pela Ásia. O voo Hong Kong/New York apresentou uma pane e o avião pousou no Havaí. Durante os dois dias de estadia forçada, Álvaro curtiu o paraíso havaiano. O enredo do filme visto e a juventude vivida passavam diante dos seus olhos. Ele sentiria a emoção de descer a mítica onda de Waimea. A vida imitava a arte.